"A primeira edição do Curso de Construção de Instrumentos Musicais teve como pedra-de-toque o rigor, o brio, o querer fazer as coisas bem; tudo coisas que parecem estar em desuso nos dias que correm - tal como não deixa de causar alguma estranheza de estar presente no catálogo de oferta formativa do IEFP - , foram recuperadas de uma maneira harmoniosa percebendo a sua importância quer nos aspectos práticos quer nos aspectos de sociabilização (o aspecto técnico é muito importante mas não pode ser exclusivo de um curso que se quer destacar).Foi-nos incutida uma ética de trabalho, quer em grupo quer individualmente, basilar para este ou qualquer tipo de trabalho ou grupo de trabalho. Tomar consciência do que é trabalhar com madeira e toda a sua imprevisibilidade e a humildade que é preciso ter para conseguir trabalhar como deve de ser essa matéria-prima.Aprendi a respeitar este tipo de ofícios (e as suas respectivas hierarquias, com uma flexibilidade diferente de outros tempos), que para aprender um ofício deste tipo é preciso entender que é moroso -contrário às velocidades estonteantes desta sociedade. Mas a satisfação de ver uma peça terminada, a meu ver, é compensatória.Um dos aspectos mais bonitos, no sentido de ser digno de menção, do curso, até porque fui um dos afectado, foi o de aceitar maioritariamente pessoas sem experiência em trabalhos manuais quer estivessem directamente relacionados com madeira ou não, sempre com a promessa de que iríamos conseguir fazer uma guitarra. Essa promessa foi cumprida.O curso pode estar muito bem estruturado em papel, mas a entrega inquestionável dos formadores Daniel Garfo e Marco Gonçalves foi a causa do sucesso do curso, o acreditarem nas potencialidades do curso e nos formandos, como de seguida irei desenvolver individualmente: Daniel Garfo dos vários processos de construção, de menor ou maior complexidade, e nalguns casos a trabalhar ao milésimo de centímetro, há uma pressão, auto-imposta, de não errar. Como formador teve o poder apaziguador e motivador (pois quanto mais se avança no processo de construção menos margem há para falhas).Com facilidade e capacidade de delegar funções, foi traçando intrinsecamente o perfil do que é um exemplo de luthier (que facilmente pode ser transportado para qualquer outra profissão). Bem como a aptidão admirável de relativizar e resolver os problemas revelando um domínio técnico.De uma ambição inspiradora para os formandos, demonstrou e transmitiu os princípios de persistência, perseverança e calma. Marco Gonçalves encarregue de ensinar as bases do trabalho com madeiras com o propósito lógico de preparar para construção de instrumentos de corda beliscada, fez muito mais do que isso: edificou o gosto de trabalhar madeira.A paixão pelo ofício da marcenaria, colocando a bitola no patamar da excelência (termo muito seu), e uma dedicação contagiosa ditou o nível. A minúcia e o espírito crítico foram valores enraizados, com a adenda, independentemente da função que se esteja a exercer."
Paulo Serra - Évora